Falta de conhecimento no uso do fumacê torna o trabalho ineficiente

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O Manejo Integrado de Vetores (MIV) consiste em combinar um conjunto de medidas físicas, químicas, biológicas e legais para implementar o controle de populações de organismos potencialmente transmissores de micro-organismos patogênicos a humanos e outros animais.

O MIV baseia-se na premissa de que o controle efetivo não é o única reserva do setor de saúde, mas requer a colaboração de várias instituições, comunidades públicas e privadas na participação. O engajamento das comunidades é um fator chave para assegurar a sustentabilidade. O MIV implica no uso de uma gama de intervenções de eficácia comprovada, separadamente ou em combinação, a fim de implementar um controle mais econômico e reduzir dependência de qualquer intervenção única (OMS 2004). Neste contexto, as medidas podem ser direcionadas as formas genéticas dos vetores, os quais envolvem as fases imaturas e de adultos. Essa estratégia também serve para prolongar a vida útil de inseticidas reduzindo a pressão de seleção para o desenvolvimento de resistência.

Uma das medidas bastante utilizadas é o controle químico por meio das aplicações espaciais, popularmente conhecidos como fumacês. O princípio dessas ações de controle parte da condição em evitar o contato humano/vetor, especialmente quando se tem comprovação de que há casos clínicos diagnosticados (por exemplo, dengue, zika, chikungunya, malária etc.) no local. Dessa forma, é direcionada para as fêmeas adultas de mosquito, por exemplo, que estão circulando no ambiente e que podem realizar a hematofagia e se infectadas, podem transmitir arbovírus, filárias ou plasmódios. Convém explicar que a efetividade da ação requer que haja o encontro, no mesmo ambiente e momento, entre a fumaça com inseticida e o mosquito, promovendo assim o knock down (queda ou perda da postura locomotora) e morte desse inseto.

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A realização dessas aplicações requer conhecimento técnico especializado e pessoal capacitado durante as pulverizações de modo a satisfazer as seguintes necessidades (OMS 2004):

  • Conhecimento do comportamento e a biologia da espécie destinada ao controle, visando saber aonde e quando serão eficazes os tratamentos espaciais;
  • Conhecimento dos inseticidas e suas formulações mais eficazes para esse tipo de aplicação. [É válido aqui destacar que a OMS mantém uma comissão permanente de profissionais técnicos, a WHOPES (World Health Organization Pesticides Evaluation Scheme),  que avalia a eficácia dos inseticidas para uso em Saúde Pública. Portanto, os inseticidas e seus formulados podem ser acessados por profissionais técnicos no site dessa comissão];
  • Conhecimento da tecnologia de aplicação dos inseticidas, visando saber que tipo de equipamento é necessário e a forma adequada de utilização;
  • Supervisão e vigilância entomológica e as doenças transmitidas pelos vetores para avaliar a eficácia do programa.

Convém destacar também que o supervisor e o aplicador também devem ter conhecimentos mínimos sobre o clima local, a sazonalidade, ocorrência de chuvas, direção e velocidade dos ventos. Além disso, é fundamental conhecer previamente as características socioambientais da comunidade alvo das ações.

Há duas formas básicas de aplicações espaciais para uso em Saúde Pública:

Termonebulização espacial – onde o inseticida utilizado é diluído em excipiente oleoso (o óleo mais recomendado tecnicamente é o mineral). Na bomba pressurizada (termonebulizador) o óleo + inseticida são aquecidos por meio de combustão até se transformar em vapor. Ao sair da bomba o vapor atinge o ar mais frio e se condensa para formar uma densa nuvem branca de neblina, cujas partículas inseticidas devem ser inferiores a 20µm e maiores que 10µm.

Nebulização a frio (ultra baixo volume – UBV) – onde o inseticida pode ser diluído em água, portanto de baixo custo e menos poluente. Na UBV a mistura (inseticida + diluente) é submetida a desintegração mecânica promovendo a sua circulação e em seguida a bicos de alta pressão. Ao sair da bomba as gotículas se formam a partir do contato com o calor externo, formando uma névoa fria com volume constante. As partículas ideais devem também estar entre 10 e 20µm. Considerando que nesse processo não há combustão, a calibração mecânica da bomba deve ser aferida periodicamente a fim de manter o  tamanho ideal das gotículas e a qualidade das aplicações.

É preciso esclarecer que partículas inseticidas de tamanhos superiores a 20µm são mais pesadas e podem facilmente cair e contaminar o solo, atingindo fauna não alvo. Já as partículas inferiores podem potencialmente serem absorvidas em diferentes alturas do trato respiratório de humanos e animais e atingir a corrente sanguínea e, consequentemente, realizar contaminação sistêmica. Essa informação alerta para a constante manutenção e calibração dos equipamentos utilizados nos programas de controle de vetores.

Considerando que o Brasil é um país de clima tropical e com alta radiação solar, ambas as aplicações não devem ser realizadas em horários muito quentes e de grande insolação, tampouco com ocorrência de ventos superiores a 10km/h. Pois essas condições inviabilizam o tempo de permanência da nuvem inseticida no ambiente alvo da ação, fazendo com que esta não entre em contato com os vetores.

Nesse contexto, é perceptível que as aplicações espaciais no controle de vetores são ações muito pontuais e não residuais, havendo muitos fatores externos que podem interferir na sua execução e garantia de eficácia. Por essa razão, essas medidas são alvo de muitas críticas por especialistas sobre sua real necessidade de realização, levando-se em consideração custo/benefício e riscos envolvidos.

Portanto, a tomada de decisão para inclusão desse tipo de aplicação requer a presença de profissionais especializados e também durante a execução, bem como a implementação de equipamentos devidamente calibrados e uso de insumos de qualidade.

A falta de conhecimento entomológico, do planejamento estratégico do programa de controle, o uso indiscriminado de inseticidas e formulados ineficazes, a inobservância das condições climáticas, a falta de fiscalização das atividades de empresas e de pessoas sem capacidade técnica, o baixo envolvimento comunitário são exemplos de eventos que concorrem para o insucesso dessas medidas de controle.

A participação da comunidade promove maior adesão e eficácia das ações, pois de nada adianta a nuvem inseticida atingir apenas os mosquitos no peridomicílio e não chegar aos que estão abrigados no interior das residências. Quando avisados e sensibilizados, os comunitários abrem as portas e janelas das casas no momento das pulverizações, ampliando o espectro de ação dos inseticidas. Além disso, ao tomarem conhecimento de como funciona o programa de MIV, os comunitários podem aderir na execução das demais ações adotando outras medidas de controle e proteção individuais e coletivas. Assim, passam a ser agentes participativos na saúde individual e coletiva da comunidade.

Convém destacar ainda que sempre existe o risco da exposição a inseticidas químicos promover a seleção de linhagens resistentes dos vetores, realidade esta já verificada com o Aedes aegypti ante os fosforados e piretróides em várias localidades no Brasil e no mundo. Contudo, é preciso considerar que uma fêmea pode prover múltiplas picadas, e se ela estiver contaminada com arboviroses, vai poder transmitir a diversas pessoas numa localidade, além de contaminar suas linhagens (transmissão transovariana). Por essa razão, é conveniente tecnicamente conceber as aplicações espaciais nos surtos e epidemias, associadas as demais medidas de controle físicas e biológicas. Afinal de contas, nenhuma pessoa quer ficar exposta ao risco de contrair doenças. E quando adquiridas, estas doenças são direcionadas para tratamento no Sistema Único de Saúde, impactando significativamente os postos de saúde e hospitais. Além desses, existem outros impactos como altas taxas de absenteísmo no trabalho e na escola, sequelas dessas doenças (por exemplo, reações alérgicas, comprometimento de articulações, cérebro e musculatura), tratamentos (comprometimentos hepáticos) e morte.

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