Não é a Batgirl: conheça a baiana que trabalha capturando morcegos

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debora magnavita acervo2 - Pragas e Eventos

“Menina, mas por que morcego?”. A consultora ambiental Débora Magnavita, 30 anos, já cansou de escutar isso. Essa é só mais uma das reações que recebe quando fala de seu trabalho. Nem sua própria mãe deixou barato.

Não é para menos: há oito anos, Débora trabalha com pesquisa, monitoramento e captura de morcegos. Em todo o estado, não devem existir mais do que dez profissionais assim. Débora pode até não estar nos quadrinhos como a heroína Batgirl, mas, onde tem morcego ela vai. Porões, casas, fendas de rochas, túneis e até cavernas.

“Todos acham estranho demais. Minha mãe até hoje fala. O morcego é um bicho feio e acaba sofrendo muito preconceito. Mas alguém tem que trabalhar com eles”, brinca Débora, enquanto manuseia um deles (no laboratório e já congelado, claro) com a naturalidade de quem acaricia um gato ou segura um cachorro.

Ela estima que, desde que começou, mais do que quatro mil quirópteros – como também são chamados os bichinhos – já passaram por suas mãos. Desses, cerca de 650 foram durante seu mestrado em Planejamento Ambiental, concluído no ano passado, e com dissertação sobre o tema.

Tão presentes na vida de Débora, os morcegos são os mesmos animais que, nas últimas semanas, dominaram o noticiário local por um motivo não tão positivo: mais de 30 pessoas foram mordidas por eles em Salvador, especialmente nos bairros do Centro Histórico. No entanto, como outros especialistas da área, ela defende a cautela: é preciso ter cuidado, mas não se deve esquecer que os morcegos são importantes para manter o equilíbrio ambiental.

Pesquisadora do Centro de Ecologia e Conservação Ambiental da Universidade Católica do Salvador (Ecoa/Ucsal), ela sabe que, mesmo entre os acadêmicos, os morceguinhos não são os preferidos. “É pelo interesse mesmo trabalhar com esses animais que antigamente eram pouco vistos, (que eram considerados) pouco interessantes para esse tipo de trabalho”.

Mudança de mamíferos
Bióloga por formação, Débora costumava pesquisar mamíferos. Mas eram os terrestres, como tatus e ratos. Até que, oito anos atrás, veio uma proposta profissional: fazer uma consultoria ambiental com os tais mamíferos voadores. “Nunca tinha pensado em trabalhar com morcego antes. Fiquei meio assim, mas fui fazer. E adorei”, conta.

De lá para cá, não parou. Conheceu mais de 60 espécies – no Brasil, há cerca de 180. Já esteve em quase todos os cantos do estado – na lista, há cidades como Sobradinho, Sento Sé e Mata de São João – e no Pará. Pelos morcegos, abdicou do resto. Hoje, quase não faz mais consultorias relacionadas a outros mamíferos. Parece não sentir falta.

Num trabalho como consultora, sempre contratada por empresas, costuma passar uma semana. Pode ficar por aqui ou pelos grotões da Bahia. Para capturá-los, usa equipamentos como rede de neblina de cerca de três metros de altura. Além disso, deve estar paramentada: usando luvas, roupas de manga comprida e uma lanterna de cabeça, já que a captura acontece sempre à noite.

“A gente captura eles, mede, identifica com uma coleirinha e solta no mesmo local. Depois, ficamos monitorando”. Quem mais contrata as consultorias são os responsáveis por empreendimentos de energia – linhas de transmissão de energia eólica, hidrelétricas, empreendimentos de energia solar – e rodovias.

“A energia eólica é a que mais exige o monitoramento, porque as pás fazem com que os morcegos tenham queda de pressão ou colisão com a própria pá”, explica. Por isso, os trabalhos costumam ser feitos tanto na época seca quanto na época de chuvas – sempre acompanhando os animais, para saber se houve queda na população devido à obra.

No caso da energia eólica, o monitoramento é feito com equipamentos acústicos, para identificar os morcegos que voam mais alto – mais do que a rede de três metros é capaz de alcançar. “(Na rede) Pegamos mais os frugívoros, por exemplo, que voam mais baixo”.

Tipos de morcego
E há, claro, a busca ativa – que é literalmente sair procurando por abrigos de morcego por aí. A maior parte dos morcegos é insetívora – são cerca de 40% das espécies que se alimentam de insetos. Depois, vêm os frugívoros (25%), que se alimentam de frutas; e nectarívoros (5%), que têm uma dieta de néctar. Piscívoros (peixes), carnívoros (de pequenos animais) e hematófagos (que se alimentam de sangue) ficam em torno de 1%. Entre os hematófagos, que são os que têm mordido as pessoas, são apenas três espécies existentes.

Os morcegos são animais silvestres – portanto, apanhá-los ou matá-los é crime ambiental. “É um grupo extremamente importante, principalmente pelo controle de insetos pragas e transmissores de doenças como a dengue e a leishmaniose, além da dispersão de sementes que irão permitir que novas florestas existam”, reforça Débora.

Com tanta naturalidade, depois de alguns minutos de conversa, o trabalho de Débora já não parece tão inusitado. A mãe dela, apesar de continuar achando estranho, já tenta se inteirar mais. “Hoje, se ela vê uma reportagem (sobre morcegos), ela me fala. Vai anotando tudo para me falar depois”, conta, aos risos.

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