Análise: combate ao mosquito da dengue tem foco em velhos problemas

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A probabilidade de epidemias dependerá das políticas públicas, situações climáticas e principalmente do comportamento da população em relação a contenção do mosquito (foto: Adauto Cruz/CB/D.A Press)
A 21 dias do fim do verão, em 20 de março, mais uma vez o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, da chicungunha, da zika e da febre amarela urbana, ganhou as manchetes. Nesta terça-feira (27/2), a Secretaria de Saúde fez um alerta: há a possibilidade de surto de dengue em seis cidades do DF. Outras 13 estão em alerta. Todo verão a crise se repete. O inseto se prolifera de maneira avassaladora e põe autoridades de saúde pública em estado de atenção.
Aedes é um velho conhecido do brasiliense. Essa amizade já dura 22 anos. Em 1996, o ele atacou o DF pela primeira vez com um surto de dengue. Sete anos depois, em 2013, outra explosão da doença afetou mais de 12 mil pessoas. O último surto, em 2016, 23.228 pessoas adoeceram. O foco ainda é o mesmo problema da década de 1990: falhas no combate aos focos do inseto.
Os manuais de vigilância ambiental são unânimes: 90% dos focos do Aedes estão dentro ou próximos de nossas casas(foto: Minervino Junior/CB/D.A Press )
Os manuais de vigilância ambiental são unânimes: 90% dos focos do Aedes estão dentro ou próximos de nossas casas(foto: Minervino Junior/CB/D.A Press )

O aumento da infestação do mosquito é atribuída a diversos fatores. Os dois principais são o aumento da ocupação da área urbana e o desleixo com a vigilância. A probabilidade de epidemias dependerá das políticas públicas, situações climáticas e principalmente do comportamento da população em relação à contenção do mosquito.

A crise hídrica pode estar associada ao aumento da infestação do Aedes. Em quatro estados do sudeste e do nordeste onde houve algum tipo de racionamento de água foi registrado crescimento nos casos de dengue. A explicação é que a situação obriga a população a armazenar o líquido em casa. É aí que mora o perigo.
No período da crise hídrica em São Paulo, Paraíba, Pernambuco e Ceará os índices de dengue — principal doença transmitida pelo Aedes, aumentaram. Em São Paulo, por exemplo, a estiagem no Sistema Cantareira começou em 2014, quando 221.946  pessoas adoeceram. No ano seguinte, o vírus infectou 233,1% mais: 739.418 casos.
A crise hídrica pode estar associada ao aumento da infestação do Aedes. Em quatro estados do sudeste e do nordeste onde houve algum tipo de racionamento de água houve crescimento nos casos de dengue(foto: Ed Alves/CB/D.A Press)
A crise hídrica pode estar associada ao aumento da infestação do Aedes. Em quatro estados do sudeste e do nordeste onde houve algum tipo de racionamento de água houve crescimento nos casos de dengue(foto: Ed Alves/CB/D.A Press)

Em Pernambuco, 61% dos municípios passaram por racionamento em 2015 — neste ano os casos de dengue subiram 867%. Passaram de 10.282 em 2014, para 99.422. A infestação por Aedes subiu simultaneamente com a rigorosidade da estiagem em 2015 na Paraíba. A dengue adoeceu 69,4% mais pessoas. Os casos saltaram de 21.127 para 35.798 no ano passado. No Ceará, a seca atingiu o estado mais fortemente em 2015. Um ano antes, 21.748 pessoas tiveram dengue. Durante o racionamento, foram 63.215 doentes — 190,6% mais.

Os manuais de vigilância ambiental são unânimes: 90% dos focos do Aedes estão dentro ou próximos de nossas casas. É o lixo mal acondicionado, o vaso de planta, o ralo esquecido, a calha entupida, o pneu abandonado no fundo do quintal, entre outros focos.
A conjuntura é motivo de preocupação para a Secretaria de Saúde, que apresentou um Plano Integrado em Saúde para Prevenção, Controle e Enfrentamento da Dengue e outras Arbovirose. “Se nós tivermos uma epidemia, vamos ter um grande número de pessoas procurando as unidades de saúde, o que vai demandar muito dos nossos serviços públicos”, alertou o subsecretário de Vigilância em Saúde, Marcos Quito.
 Vencer o Aedes é possível, mas precisa de ações eficazes e contínuas das autoridades públicas e do engajamento popular.(foto: Carlos Silva/Esp. CB/D.A Press )
Vencer o Aedes é possível, mas precisa de ações eficazes e contínuas das autoridades públicas e do engajamento popular.(foto: Carlos Silva/Esp. CB/D.A Press )

Este ano, o combate ao Aedes é ainda mais importante. Diminuir a proliferação do inseto é essencial para evitar a reurbanização da febre amarela. O último caso da doença foi registrado no Brasil em 1942, no Acre. Todos os registros confirmados desde então decorrem do ciclo silvestre de transmissão, ou seja, pelos mosquitos Haemagogus ou Sabethes. A preocupação dos sanitaristas é de o Aedes passar a transmitir o mal. Uma tragédia anunciada.

A relação do brasileiro com o mosquito é pautada pelo vai e vem. Em abril de 1955, a Fundação Oswaldo Cruz erradicou todos os focos do Aedes. Três anos depois. o país foi considerado livre do vetor pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1958. Quinze anos depois, o inseto apareceu novamente no Pará, em 1967. O mosquito se espalhou pelo nordeste e afetou principalmente o Maranhão.
Seis anos depois, o território brasileiro era considerado mais uma vez livre do Aedes, em 1973. Três mais tarde, uma nova proliferação aconteceu e se perpetuou até hoje. Em 1976, o inseto volta a se espalhar pelo país. Na época, autoridades de saúde justificaram a expansão devido à urbanização acelerada.
Em 1986, um surto de dengue iniciada no Rio de Janeiro se espalha pelo nordeste e a situação passou a ser considerada endêmica (comum). Em 1990, acontece a primeira epidemia de dengue hemorrágica no Brasil. Vencer o Aedes é possível, mas precisa de ações eficazes e contínuas das autoridades públicas e do engajamento popular.
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