Aumento da população de ratos em centros urbanos é uma ameaça à saúde pública

16 min. leitura
Aumento-população-de-ratos
Isis Breves 1 e1557845490953 - Pragas e Eventos

Isis Breves

Jornalista – comunicação institucional, comunicação em saúde, comunicação interna. Amo o que faço?

Foi publicado na imprensa internacional e com muita repercussão na imprensa brasileira sobre o aumento da população de ratos em Nova Iorque. Tomando como gancho essa notícia, vamos trazer para a realidade brasileira. No Estado do RJ, o problema maior para a saúde pública é nos períodos de chuvas, onde ocorrem às enchentes pelas cidades e o risco de transmissão da leptospirose aumenta.

Para falar sobre o crescente aumento da população de ratos em grandes cidades e os riscos para a saúde pública, o Portal Pragas & Eventos entrevistou o Biólogo André Barbosa, especialista do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) – Chefe do Serviço de Análise de Agrotóxicos e Vetores– SEAGROX da Gerência de Licenciamento Agropecuário e Florestal – GELAF da Diretoria de Licenciamento Ambiental – DILAM. Confira:

Nova York enfrenta o aumento da população de ratos pela cidade. Isso pôde ser verificado com os últimos dados do serviço de assistência telefônica nova iorquina. As queixas dos moradores ao número 311 cresceram quase 40% em um ano, até superar 17.350 ligações sobre o problema. A prefeitura de Nova York já destinou 32 milhões de dólares do orçamento municipal a um programa de combate e erradicação dos roedores. Uma das justificativas para esse problema é o aumento e acúmulo de lixo. O lixo é um problema mundial que favorece o aumento de pragas urbanas e ameaça à saúde pública. Como especialista do INEA, poderia falar sobre esse problema no Estado do RJ?

André Luis (INEA): “Sem dúvida. O lixo é um fator de extrema importância para a manutenção da população de pragas urbanas no ambiente urbano, com destaque para os roedores domésticos. Nosso lixo tem muita matéria orgânica desperdiçada, sendo por isso muito atrativo e, consequentemente, fomenta populações de roedores no meio urbano.

A crise socioeconômica que vivenciamos também reflete nesse cenário de aumento da infestação, pois gera precariedade nos serviços de limpeza urbana e na manutenção de praças e jardins, neste último, atinge também as áreas localizadas em condomínios e edifícios, públicos e privados. Não se pode esquecer também que o aumento da população de moradores de rua também contribui para o favorecimento da manutenção desses roedores nocivos seja nas edificações ou em áreas livres.

Infelizmente, a cultura brasileira ainda está muito aquém da busca por um ambiente saudável. Muitas vezes não existe uma preocupação em manter uma área limpa ou livre de lixo ou detritos. Um exemplo recente de falta de visão, pelos agentes públicos, em saúde pública associada à crise econômica, que ocorreu no Município do Rio de Janeiro, foi à determinação da não reposição das pequenas lixeiras para vias públicas destruídas pelo vandalismo.

Essa ação prejudica a população como um todo, pois ao se excluir esses pontos de coleta, perdem-se referências e, em grande parte, o lixo é jogado no chão, sem o menor pudor. Sabemos que o lixo é um problema, mas saliento que a solução para essa situação virá somente da educação, da conscientização popular e do incremento de políticas públicas que objetivem melhorias da qualidade ambiental”.

Quais são os principais fatores que favorecem no nosso país/Estado do RJ o aumento das pragas urbanas, em especial os roedores? Poderia disponibilizar dados dos municípios que mais reclamações foram registradas?

André Luis (INEA): “O Estado do Rio de Janeiro apresenta um clima bastante favorável ao desenvolvimento de pragas urbanas, seja no âmbito intradomiciliar, quanto nos ambientes abertos. As estações do ano não apresentam suas características bem definidas e as baixas temperaturas surgem basicamente com a entrada de frentes frias.

Excetuando-se o verão, onde as temperaturas ficam bastante elevadas, as demais estações apresentam-se com temperaturas entre 28°C e 30°C, ideal para a manutenção de pragas urbanas, indicando que esse desconforto permanecerá durante todo o ano. Não só os roedores, mas outras pragas também se beneficiam dessas altas temperaturas, como as baratas, principalmente as baratas de esgoto (Periplaneta americana) que explodem suas populações durante todo o ano.

Em alguns municípios fluminenses as altas infestações de baratas incrementam populações de escorpiões, especialmente o escorpião amarelo (Tityus serrulatus), espécie prevalentes no Estado. Os caramujos africanos (Achatina fulica) também ficam mais ativos e na procura por novos ambientes desalojam populações de lacraias, aumentando os números de registros por acidentes e a procura por tratamento nas unidades públicas de saúde.

Agora, se conjugarmos as altas temperaturas, a geografia do Município do RJ, por que não dizer de toda Região Metropolitana, a precariedade do saneamento básico e a desordem urbana, teremos um rico cenário para a proliferação de mosquitos, sejam àqueles popularmente conhecidos como pernilongos (Culex quinquefasciatus), com grande importância social e o Aedes aegypti, transmissor da dengue, chikungunya e zika.

Nestes casos, a ausência de Programas de Controle permanentes ocasionam muitos problemas ambientais, pois algumas metodologias são aplicadas livremente, tanto pelo setor público, quanto pelas empresas de controle de pragas, tentando solucionar problemas locais, mas acabam gerando fortes impactos e levam a óbito muitas espécies não alvo, de grande importância para a manutenção dos nossos ecossistemas.

Os serviços de registros às reclamações existem, mas o atendimento geralmente está abaixo do esperado pela população, pois muitas vezes o atendimento não é imediato. Desta forma é comum ao cidadão realizar o autosserviço, ignorando os serviços públicos e, consequentemente, prejudicando qualquer estatística que pudesse servir de base para um diagnóstico completo.

A municipalização prejudica essa informação, pois cada município tem sua própria autonomia para agir, de acordo com seus recursos disponíveis e não há uma gestão integrada com o Estado”.

O aumento da população de ratos é preocupante principalmente nos períodos de chuvas, especialmente no verão, onde há enchentes e o risco de transmissão da leptospirose aumenta. Quais as medidas de controle dessa praga urbana?

André Luis (INEA): “A principal medida para minimizar o risco de transmissão de leptospirose é, e sempre será, a implantação ou o incremento de Programas de Controle de Roedores em ambientes urbanos, nos 3 (três) ou 4 (quatro) meses antecedentes ao verão, ou melhor especificando, antes do período das fortes chuvas. O ideal é iniciar essas ações a partir de setembro ou, no máximo em outubro, de modo que com a chegada do verão a infestação por ratazanas já deverá ter atingido índices inferiores a 5%, isto é, 5 (cinco) edificações com vestígios da presença de roedores urbanos em cada grupo de 100 (cem).

infestacao rato chuva - Pragas e Eventos

Esse índice poderá ser levantado por quarteirão ou por um conjunto de quarteirões, denominados setores, quando assim for desejado. Lembrando que, quanto menor for a área a ser trabalhada, melhor será a interpretação técnica sobre aquele cenário. Implantar ou incrementar programas de controle de roedores urbanos é sempre a melhor ferramenta para a prevenção da transmissão da leptospirose. Entretanto, infelizmente essa cultura não é praticada pela grande maioria dos municípios brasileiros. Geralmente o que ocorre é a realização de um cinturão de controle químico no entorno do endereço do paciente infectado ou de outro possível local, determinado pelo processo investigatório.

Sabe-se que essas ações são paliativas e não solucionam a real situação de infestação.Lembrando que a leptospirose é uma zoonose de grande importância social e econômica, de alto custo hospitalar e alta letalidade, que pode chegar a 40% dos casos e quando se manifesta de forma branda, pode ser diagnosticada como uma simples virose, síndrome gripal ou dengue, pois os sintomas são semelhantes. Mesmo considerada uma zoonose grave e com alta letalidade, os serviços de prevenção praticamente não existem, considerando principalmente, as obras de saneamento básico e a implantação de programas de controle de roedores urbanos permanentes.

A desordem urbana é outro fator que também promove a precariedade dos serviços de saneamento, contribuindo para o aumento da população de roedores urbanos, com destaque para as ratazanas, principal reservatório de Leptospira, gênero de bactéria responsável pela transmissão da Leptospirose no homem. Esclarecendo que o contágio ocorre através do contato direto da bactéria presente na água, no solo ou em alimentos contaminados pela urina de roedores infectados, com a mucosa humana, com ou sem lesões.

Estudos comprovam que os principais locais onde ocorrem as infecções são os ambientes urbanos e os domicílios e a exposição ao risco se dá, principalmente pelos vestígios gerados pelos roedores, seguidos pela água ou lama contaminada e pelo lixo, demonstrando assim a grande importância dos investimentos em programas de controle de pragas. Os registros de casos confirmados pela Secretaria de Estado de Saúde do RJ, atualizados em abril de 2018, citam que os homens entre 50 e 59 anos são os mais infectados”.

Poderia falar sobre o Programa de Combate às Pragas e as ações do INEA nesse programa?

André Luis (INEA): “Posso dizer que iniciei minha história profissional como integrante de uma excelente equipe, construída tecnicamente para realizar ações de controle de roedores urbanos. Foram muitas ações positivas que me deram a certeza de que trilhava o caminho certo, pois ao reduzir os índices de infestação por roedores em uma determinada área, tinha certeza que melhorava a qualidade de vida daquelas pessoas.

Essa exitosa experiência técnica, vivenciada no Município do Rio de Janeiro entre 1977 e 1983, foi pioneira e única, considerando o porte do Projeto e a disponibilização de recursos. O Programa de Controle de Roedores Urbanos em Áreas do Município do Rio de Janeiro, carinhosamente apelidado de “Projeto Ratos” possuía uma equipe operacional constituída por 3 (três) Biólogos, 4 (quatro) Técnicos, 23 (vinte e três) Agentes – chefes de equipes de campo e 105 (cento e cinco) Auxiliares de Controle de Vetores – operadores, na linguagem atual. Havia também um suporte operacional de 22 (vinte e dois) veículos de uso exclusivo para transporte das equipes, Epi’s, ferramentas, equipamentos e raticidas.

A área de abrangência compreendia 29 (vinte e nove) bairros, distribuídos pelas Zonas Sul e Norte do Município, beneficiando uma população aproximada de 1.200.000 (um milhão e duzentas mil) pessoas e trabalhamos também em 22 (vinte e duas) comunidades com cerca de 200.000 moradores. Foi exatamente nessas comunidades que me senti útil como servidor público. Ali aprendi que os raticidas utilizados competiam muito com as diferentes fontes de alimentos, principalmente com os grandes lixões a céu aberto e que precisaríamos utilizar outras ferramentas para termos sucesso em nossas ações. Ali entendi que a educação ambiental seria tão ou mais importante do que os recursos químicos disponíveis (naquela época existiam poucas opções de produtos), pois a competição alimentar e as dificuldades para acessar as áreas infestadas eram nossos maiores desafios.

Foram muitas palestras diurnas e noturnas, utilizando uma linguagem bem simples e também adaptada ao público infantil, mas com um único objetivo, orientá-los quanto ao descarte do lixo, criando procedimentos específicos adequados para a infraestrutura local e que atendesse às necessidades dos serviços públicos de coleta urbana. Enfim, sem computadores, softwares e outras funcionalidades atuais, conseguimos vencer vários desafios, sendo o principal, a redução da população de roedores, alcançando índices bem significativos que minimizassem os riscos de transmissão de doenças, especialmente a leptospirose.

O êxito do “Projeto Ratos” deve-se especialmente às ações programadas e continuadas.

A primeira fase ou implantação compreendia: (1) inspeções detalhadas nas áreas externas das edificações, pois a principal espécie-alvo eram as ratazanas (Rattus novergicus), pelo risco da transmissão de doenças, (2) a identificação de espécies através das diferentes evidências e (3) o uso de raticidas, buscando-se preferencialmente aplicá-los diretamente nas ninheiras, pois se evitava a competição alimentar.

Conseguíamos assim uma redução, em torno de 60-70%, da infestação inicial e partíamos para a segunda fase, sempre atentos ao intervalo de retorno que não poderia ser superior a 15 (quinze) dias. Nesta segunda fase, além do uso de raticida, iniciávamos a orientação educativa, buscando-se conciliar esses dois métodos.

A terceira fase compreendia a determinação das áreas críticas, onde seriam aplicadas outras ações, inclusive sanções administrativas, com a aplicação de multas para os responsáveis pelo imóvel. Em muitos bairros essa fase seus quarteirões já apresentavam um índice médio de infestação inferior a 3 %. A população agradecia, colaborando inclusive para a solução de cenários crônicos de infestação, mobilizando moradores e realizando mutirões de limpeza para remoção de lixo e entulhos, que naturalmente serviam de abrigos e fonte de alimentos aos roedores.

Com a municipalização o sistema operacional mudou e regrediu, pois foi introduzida a cultura de um cinturão químico no entorno da situação-alvo”.

Mapa Projeto Ratos - Pragas e Eventos
Fonte: Luiza Boechat

Figura 1: Área de abrangência do “Projeto Ratos”, gerenciado pela antiga FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, no Município do Rio de Janeiro, no período de 1977 a 1983, compreendendo os bairros de Vila Isabel, Andaraí, Grajaú, Tijuca, Usina, Muda, Alto Da Boa Vista, Maracanã, Rio Comprido, Praça Da Bandeira, Estácio, Catumbi, Cidade Nova, Santa Teresa, Gloria, Catete, Flamengo, Laranjeiras, Cosme Velho, Botafogo, Humaitá, Urca, Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon, Gávea, Jardim Botânico e Lagoa.

Compartilhar
Leave a comment