Auditoria conclui que Cedae pagou R$ 4,6 milhões por serviços de sanitização não prestados em favelas do Rio

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Foto: Reprodução Internet G1

Uma auditoria interna feita pela Cedae revelou que a companhia pagou R$ 4,6 milhões por serviços não prestados entre abril e junho de 2020. O processo de apuração foi aberto após a GloboNews revelar irregularidades no contrato emergencial assinado com uma filial da Truly Nolen no início da pandemia do novo coronavírus.

Antes mesmo da assinatura do contrato, no valor de R$ 30 milhões, os primeiros números apresentados pela Cedae já pareciam fora da realidade.

O plano era aplicar um produto químico (quaternário de amônio) para eliminar o novo coronavírus em áreas públicas de favelas do Rio de Janeiro – regiões que sofrem com a falta d’água e de saneamento básico. Com um pulverizador, os funcionários contratados deveriam percorrer 5 milhões de metros em becos, ruas e vielas. Essa distância é maior que a linha reta de ponta a ponta do Brasil, do Oiapoque, no Amapá, ao Chuí, no Rio Grande do Sul.

O contrato foi assinado em abril do ano passado, quando a Cedae era alvo de muitas reclamações pela falta d’água em comunidades do Rio de Janeiro. Quatro meses depois, a GloboNews revelou as primeiras irregularidades, principalmente na prestação de contas e nos pagamentos. O contrato previa o pagamento de R$ 5,90 para cada metro linear desinfetado.

Segundo a auditoria, entretanto, os números apresentados pela Truly Nolen e aprovados pela Cedae antes dos repasses não retratavam a realidade. O tamanho de algumas favelas teria sido superdimensionado. Por exemplo, a Cedae pagou pela sanitização de 14 mil metros na comunidade Rio Piraquê, na Zona Oeste do Rio. Mas, pelos dados oficiais da prefeitura, o somatório das vias públicas dessa região não chega à metade da medição que foi paga.

Quando a GloboNews revelou a suspeita de fraude, em agosto de 2020, dois pagamentos haviam sido feitos pela Cedae. No total, mais de R$ 10 milhões já estavam na conta da Truly Nolen. Depois da reportagem, a Cedae suspendeu os pagamentos e resolveu olhar os números com lupa. A auditoria, concluída no mês passado, comprovou a discrepância.

Equipe de sanitização da Cedae — Foto: Reprodução
Equipe de sanitização da Cedae — Foto: Reprodução

No Complexo da Maré, a Cedae pagou pela sanitização que teria sido feita em 97 mil metros em maio de 2020. Pelos novos cálculos feitos pela companhia, validados por sistema de GPS, o serviço foi feito em 33 mil metros – quase um terço da metragem aprovada anteriormente.

Para o especialista em Direito Administrativo do IBMEC, Rafael Oliveira, agora a Cedae tem a obrigação de apurar as responsabilidades.

“A própria Cedae tem que investigar internamente para apurar a responsabilidade de cada agente público envolvido, no procedimento de contratação, ou na fiscalização do contrato, e o Ministério Público, idem. O MP tem a necessidade de identificar as condutas que foram praticadas por cada indivíduo envolvido na contratação”, diz ele.

Os números também foram inflados na Rocinha, segundo a análise. A favela recebeu duas ações de combate ao novo coronavírus em maio do ano passado. Agora, a auditoria interna descobriu que a Cedae pagou pela sanitização em mais de 50 mil metros de vias públicas que não foram percorridas pelas equipes.

Levantamento feito durante o processo de auditoria mostra que a medição foi inflada em 86% das ações realizadas entre abril de junho de 2020. Das 105 ações de sanitização realizadas em favelas cariocas, 91 tiveram os números inflados. Tudo isso poderia ter sido evitado de um jeito simples.

Pelo termo de referência, que faz parte do contrato, a empresa contratada tinha a obrigação de “apresentar forma on line e em tempo real de medição”. Com isso, a Cedae teria segurança na fiscalização dos serviços realizados. Porém, nenhuma ferramenta desse tipo foi apresentada.

A distância que foi paga e não percorrida pelas equipes de limpeza ultrapassa 791 mil metros (791 km). Essa distância que nunca recebeu os serviços contratados corresponde à duas viagens: do Rio de Janeiro até São Paulo. E depois de São Paulo até a cidade de Piraí, já de volta ao Estado do Rio.

O que dizem a Cedae e a Truly Nolen

Em nota, a Cedae informou que está adotando todas as medidas para garantir que não haja prejuízo aos cofres públicos. Sobre os R$ 4,6 milhões pagos por serviços não prestados entre abril de junho de 2020, a companhia informou que esse valor foi usado posteriormente como saldo para quitar as etapas de sanitização realizadas pela Truly Nolen entre junho e setembro do ano passado.

A Cedae explicou ainda que a empresa foi notificada a devolver cerca de R$ 532.712,65 mil aos cofres da companhia e a apresentar defesa sobre as irregularidades encontradas na auditoria.

A Truly Nolen informou que as conclusões da auditoria feita pela Cedae não correspondem à realidade e “que a alegada apuração aconteceu à revelia da empresa que jamais foi intimada a se manifestar”.

“A empresa esclarece ainda que mais de 400 comunidades foram sanitizadas no Rio de Janeiro, no período de maio a setembro de 2020. A Truly Nolen reitera seu compromisso com a qualidade e atuação com transparência e profissionalismo que acompanham sua história há mais de 80 anos, em 67 países”, conclui a nota oficial da empresa.

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